Abordagem ultrassonográfica da neoplasia mamária em cadelas: revisão de literatura
Marcus Antônio Rossi
Feliciano1, Wilter Ricardo Russiano Vicente2,
Carlos Artur Lopes
Leite3, Tatiana Silveira4
Resumo
O objetivo desta revisão é demonstrar a importância do exame ultrassonográfico na avaliação de
neoplasias mamárias em caninos e descrever alguns estudos recentes em medicina humana que podem ser
considerados em medicina veterinária. O conhecimento das características ultrassonográficas das glândulas
mamárias e sua anatomia podem auxiliar no diagnóstico e na detecção de metástase em órgãos abdominais. Com
o auxílio de modos Doppler em cores e o exame tridimensional, em medicina veterinária, o exame
ultrassonográfico das glândulas mamárias poderá apresentar maior ganho em sua importância como método de
diagnóstico.
Introdução
Os tumores mamários caninos constituem, aproximadamente, 52% de todos os tumores que afetam as
fêmeas desta espécie, sendo que aproximadamente 50% dos tumores mamários são malignos. A maioria das
cadelas que apresentam a neoplasia tem idade compreendida entre oito e dez anos, no entanto, podem surgir
tumores malignos em cadelas com menos de cinco anos de idade. Não existe uma predisposição racial evidente,
embora as raças de caça sejam apontadas, por alguns autores, como tendo maior predisposição para esta
patologia. Sabe-se apenas que os animais das raças Boxer e Beagle são referidos como aqueles que apresentam
menor risco de desenvolverem tumores de mama (Queiroga e Lopes, 2002).
Na gênese das neoplasias mamárias estão envolvidos fatores de natureza genética, ambiental e
hormonal. O papel dos hormônios sexuais na patogênese destas neoplasias está extensamente estudado e
estabelecido, sendo que a castração, até o segundo cio, diminui a incidência dessas neoplasias (Queiroga e
Lopes, 2002).
Estudos detectaram receptores para estrógeno, progesterona, andrógenos, prolactina e para o fator de
crescimento epidermal em tumores de mama de cadelas, havendo também a coexistência desses receptores numa
mesma neoplasia (Silva
et al., 2004). Complementando, Fonseca e Daleck (2000) relatam que receptores de
estrógeno e de progesterona têm sido identificados em tecido mamário normal, em neoplasias benignas e em
carcinomas de cadelas.
De acordo com Fonseca e Daleck (2000), a prolactina estimula o crescimento do tumor mamário, por
meio da sensibilização celular aos efeitos do estrógeno, promovendo aumento no número de receptores de
estrógeno. Tanto o estrógeno quanto a prolactina são necessários ao crescimento de tumores mamários. A
progesterona apresenta ação carcinogênica quando seus níveis estão aumentados por períodos prolongados.
Queiroga e Lopes (2002) comentam que, recentemente, têm sido apontados alguns fatores nutricionais
como promotores da carcinogênese. Esta correlação entre os fatores nutricionais e as neoplasias mamárias está
diretamente relacionada com a obesidade. Segundo esses autores, um estudo mostrou que cadelas obesas, entre
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os nove e os 11 meses de idade, apresentam maior risco de desenvolverem tumores de mama na idade
adulta que cadelas não obesas.
A cadela apresenta, em média, cinco pares de glândulas mamárias. A drenagem linfática dos tumores
mamários caninos é complexa, tendo sido demonstrada a existência de comunicações linfáticas entre a cadeia
mamária direita e a cadeia mamária esquerda e entre glândulas adjacentes de uma mesma cadeia, contribuindo
para a ocorrência de metástases (Queiroga e Lopes, 2002).
Esses autores descrevem também que, em regra, o tamanho dos tumores pode variar desde pequenos
nódulos com 0,5 cm de diâmetro até tumores com mais de 15 cm no seu maior diâmetro. Em alguns animais, o
tumor pode apresentar ulceração cutânea ou sinais evidentes de inflamação. Ao exame físico, as duas cadeias
mamárias e os linfonodos regionais devem ser explorados. As radiografias torácicas são recomendadas para
avaliar a existência de metastização, assim como a ultrassonografia abdominal. O diagnóstico definitivo baseiase
no resultado histopatológico da biópsia.
A primeira referência na literatura ao uso do exame de ultrassom para avaliação das glândulas mamárias
data de 1951, em medicina humana. O exame ultrassonográfico, atualmente, além de usado para avaliação, é
recomendado na intervenção nas mamas (Calas
et al., 2007). O uso do ultrassom na neoplasia mamária, em
medicina veterinária, é indicado também para avaliar o acometimento de linfonodos, como o axilar e o inguinal
superficial (Zuki e Boyd, 2004).
O objetivo desta revisão é demonstrar a importância do exame ultrassonográfico na avaliação de
neoplasias mamárias em caninos e descrever alguns estudos recentes em medicina humana que podem ser
considerados em medicina veterinária.
Aspectos ultrassonográficos dos tumores de mama
Na cadela, as características dos tumores mamários, como composição tecidual e vascularização, podem
estar relacionadas aos achados ultrassonográficos (Nyman
et al., 2006a). Segundo Siqueira (2006), em um
estudo em mulheres, a ultrassonografia permitiu acesso ao tumor em seu maior eixo, além da medida direta sem
ampliação da lesão e, ainda, forneceu informações sobre fenômenos de infiltração ductal, caracterizada por
dilatação assimétrica do ducto, distorção ductal, conteúdo sólido fixo e/ou vegetante endoductal e alterações de
parede do ducto. Além disso, alguns tumores não palpáveis ao exame físico podem ser detectados (Calas
et al.,
2007).
Barra
et al. (2004) citam que a ultrassonografia é, particularmente, em medicina humana, útil na
diferenciação de lesões císticas e sólidas, mas não pode ser utilizada como teste diagnóstico definitivo na
abordagem de lesões sólidas, devido à sobreposição significativa nas características de tumores benignos e
malignos.
Na avaliação ultrassonográfica das glândulas mamárias das cadelas, visualizam-se a ecogenicidade, a
ecotextura, os limites, a compressibilidade, o tamanho, a arquitetura do parênquima e as alterações em tecidos
vizinhos. Para a maioria dos autores, tecidos com margens regulares representam o principal critério para
definição de uma lesão como benigna. A forma oval ou elipsoide é mais indicativa de tumor benigno (Fig. 1). As
características de malignidade, descritas pela literatura, são margens irregulares e sombra acústica. Tumores
malignos, geralmente, apresentam ecogenicidade heterogênea (Fig. 2 e 3), enquanto nos benignos o padrão
ecogênico é homogêneo (Bulnes
et al., 1998; Calas et al., 2007).
Ainda em relação à diferenciação entre nódulos sólidos benignos e malignos, Paulinelli
et al. (2002) e
Lucena (2006) postulam que a heterogeneidade dos ecos internos, contornos irregulares, bordas pouco nítidas,
contraste mais nítido com o parênquima adjacente, atenuação acústica posterior, espessamento ou retração da
pele, distorção arquitetural adjacente ao nódulo, espiculações e visibilidade de calcificações devem ser
considerados como critérios sugestivos de malignidade.
Além de um método complementar de diagnóstico, a ultrassonografia pode ser utilizada para avaliação
da mama operada, com o objetivo de individualizar recidivas eventuais e/ou complicações secundárias ao
tratamento cirúrgico, como hematomas e seromas, em mulheres. Outra função é servir como guia de
procedimentos diagnósticos, como a punção aspirativa por agulha fina (Siqueira, 2006).
A qualidade do procedimento é altamente dependente do conhecimento do operador. Trata-se ainda de
um método simples, de rápida realização, não invasivo, seguro e de baixo custo. A sonda apropriada para o
exame ecográfico das mamas é a de alta resolução (7,5 a 13MHz), tanto para seres humanos quanto para a
cadela, favorecendo uma boa interface material-mama, mas limitando o campo de exploração a uma pequena
parte do volume mamário. No entanto, a exploração em vários planos permite estudar a totalidade da glândula
com cuidado e em tempo razoável (Siqueira, 2006; Calas
et al., 2007; Trasch et al., 2007). Apesar de ainda
existirem controvérsias, a maioria dos autores concorda que, com os equipamentos atuais, lesões sólidas com
mais de 5mm podem ser adequadamente avaliadas por ultrassonografista experiente (Paulinelli
et al., 2002).
O exame ultrassonográfico também apresenta limitações, quando, por exemplo, a dimensão do tumor
excede o campo de visão do transdutor ou quando a margem posterior de lesões maiores apresenta difícil
visibilidade devido à inadequada penetração. Sua maior limitação, porém, é sua inabilidade de detecção de
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microcalcificações e de lesões muito pequenas (menores que 5mm de diâmetro), podendo ocorrer resultados
falso-negativos (Siqueira, 2006; Calas
et al., 2007; Trasch et al., 2007).
Figura 1. Imagem ultra-sonográfica, obtida com transdutor de 3,75MHz, aparelho ultrasonográfico
Toshiba SSH-140A, de nódulo em glândula mamária de uma cadela. Observe a
presença de estrutura ovóide com ecogenicidade homogênea em parênquima mamário
(seta),
sugestiva de neoplasia benigna.
Figura 22 Imagem ultra-sonográfica, obtida com transdutor de 3,75MHz, aparelho ultrasonográfico
Toshiba SSH-140A, de nódulo em glândula mamária de uma cadela. Note a
presença de estruturas císticas em parênquima mamário (setas), caracterizando o padrão
misto da ecogenicidade, sugestivo de neoplasia maligna.
Segundo Martins
et al. (2002), o modo Doppler colorido, associado à ultrassonografia convencional, é
capaz de avaliar a vascularização tumoral por meio de diversos parâmetros: mensuração da velocidade máxima
do fluxo na sístole e sua média, velocidade sistólica mínima, quantificação do número de vasos, soma das
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velocidades máximas dos vasos e sua média, relação entre sístole e diástole máxima e mínima e sua média,
médias das velocidades e determinação dos índices de resistência e de pulsatilidade e de suas médias.
O desenvolvimento de vasos patológicos em carcinomas, devido à resposta a fatores angiogênicos, pode
levar à diminuição da resistência do fluxo sanguíneo intratumoral. Esta característica dos tumores permitiu
levantar a hipótese de que o Doppler seria capaz de distinguir lesões malignas de benignas.
Os princípios do Doppler no tumor de mama baseiam-se no aumento da vascularização e da
neovascularização nas neoplasias (Silva, 2000; Trasch
et al., 2007). As lesões malignas costumam apresentar
maior vascularização que as benignas e, às vezes, é possível observar neovascularização no interior dos tumores
malignos. Adicionalmente, a vascularização está relacionada com a invasividade (Paulinelli
et al., 2003; Nyman
et al
., 2006b).
Embora haja discordâncias, alguns autores consideram que a Dopplervelocimetria colorida associada à
ultrassonografia convencional tem mostrado alta sensibilidade e especificidade no diagnóstico dos tumores
mamários. A sensibilidade do método em diferenciar tumores benignos de malignos varia entre 91 a 95%, com
especificidade de 89 a 97% e acurácia de 90% (Martins
et al., 2002). Por outro lado, nos estudos realizados em
mulheres, por Paulinelli
et al. (2003), o modo Doppler em cores mostrou pouco ganho adicional na acurácia, em
relação à ultrassonografia convencional.
Figura 3. Imagem ultra-sonográfica, obtida com transdutor de 3,75MHz, aparelho ultrasonográfico
Toshiba SSH-140A, de nódulo em glândula mamária de uma cadela. Note a
presença de estrutura cística (seta) e perda do padrão ecogênico em parênquima mamário,
sugestivos de neoplasia maligna.
A mudança na vascularização detectada pelo exame Doppler pode ser também um indicador de
regressão do tumor, oferecendo informações adicionais no estudo da evolução dos tumores mamários (Martins
et
al
., 2002).
Como método inovador em seres humanos, Paulinelli
et al. (2003) descrevem também o emprego da
ultrassonografia tridimensional na avaliação intraductal de tumores mamários, tendo a descrição do volume
tumoral a maior característica deste exame. Este método pode ser uma alternativa em medicina veterinária, com
a inclusão da técnica tridimensional no diagnóstico por imagem em pequenos animais, como mostram os estudos
de Feliciano
et al. (2007).
A ultrassonografia, em pequenos animais, é um método de diagnóstico por imagem muito importante na
rotina do veterinário. O conhecimento das características ultrassonográficas dos tecidos e sua anatomia podem
auxiliar no diagnóstico de várias enfermidades.
A frequência do uso da ultrassonografia no diagnóstico de neoplasia mamária em cadelas ainda é
restrita, particularmente pela falta de estudos que correlacionem os achados macroscópicos e microscópicos das
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neoplasias com as imagens ultrassonográficas. Este método de diagnóstico é mais amplamente utilizado para a
detecção de metástase em órgãos abdominais.
Em medicina humana, algumas técnicas como aquelas descritas anteriormente estão sendo utilizadas
para complementar o exame ultrassonográfico das mamas. Estas técnicas são de grande valia no diagnóstico e
acompanhamento da clínica oncológica. Incorporando essas técnicas complementares em medicina veterinária, o
exame ultrassonográfico das glândulas mamárias passará a ter maior importância como método de diagnóstico.
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